Putin, Zelensky, o TPI e os ativos russos. Guerra a leste divide António Filipe e Jorge Pinto

“Nem Putin nem Zelensky”. Foi esta a fórmula defendida pelo candidato comunista a Belém, quando questionado sobre a sua posição face ao futuro da Ucrânia. Ao que o interlocutor apoiado pelo Livre contrapôs: é Vladimir Putin quem deve sentar-se no banco dos réus do TPI.

Carlos Santos Neves, Paulo Alexandre Amaral - RTP /
Francisco Romão Pereira - RTP

Foi no tema da guerra na Ucrânia e do papel a desempenhar pela União Europeia no futuro do país invadido pela Rússia que António Filipe e Jorge Pinto mais se apartaram, esta segunda-feira à noite, no debate das eleições presidenciais emitido pela RTP.

António Filipe advogou que os diretórios da União Europeia apresentam atualmente uma “completa duplicidade de critérios” face à guerra na Ucrânia e ao “genocídio em curso” nos territórios palestinianos, às mãos de Israel. Ou seja, a condenação sem recuo do regime de Vladimir Putin e uma postura hesitante relativamente ao comportamento da máquina de guerra do Estado hebraico na Faixa de Gaza e na Cisjordânia.“Em, relação à Ucrânia, a minha posição é nem Putin, nem Zelensky. E a sua posição é por Zelensky”, acusou o candidato comunista.


“Aquela guerra devia ter sido evitada em 2014, não era agora. A posição da União Europeia foi que era preciso derrotar a Rússia até ao último homem”, reforçou António Filipe, para estimar que “pode ser” que o adversário do Livre venha a arrepender-se de apoiar Volodymyr Zelensky.“O que me surpreende é que não esteja ao meu lado no caso da Ucrânia”, afirmara, antes, Jorge Pinto, que, neste debate, se manifestou “a favor do uso dos ativos russos congelados” para ajudar à reconstrução da Ucrânia.


“A própria União Europeia quer usar esses ativos e não pode. A União Europeia está correta e há um Estado que não quer que aconteça, a Bélgica. Eu não faria piadas, ou ironizar, com levar Vladimir Putin ao Tribunal Penal Internacional. Aquilo que é muito claro é que quem é responsável pelo rapto de dezenas de milhares der crianças na Ucrânia tem de ir a tribunal, tal como Netanyahu e todos os responsáveis pelo genocídio em Gaza”, sustentou.

“Mas eu tenho alguma coisa a ver com Putin? Há algum partido mais distante de Putin do que o PCP?”, devolveria António Filipe.

Quanto à utilização dos ativos russos congelados, o candidato secundado pelo PCP questionou: “Mas eu tenho alguma coisa a ver com os ativos russos? Eu não sou banqueiro. É o presidente da República português que vai decidir sobre os ativos russos? Não se entende”.

“A União Europeia devia era fazer esforços, como fez o papa Francisco, como faz Lula da Silva, para acabar com a guerra na Ucrânia. Esta guerra tem que acabar à mesa das negociações”, propugnou.
Eutanásia

O primeiro tema lançado para o debate foi a eutanásia e a “iminência de haver um novo caminho lelegislativo”.

“Eu, ao contrário de algumas opiniões que tenho ouvido, acho que esta questão não precisa de voltar à Assembleia da República. Está em vigor, existe. O Tribunal Constitucional apontou dois aspetos desconformes à Constituição. Mas a minha opinião é que possível haver uma regulamentação”, respondeu António Filipe, para quem “o Governo tem o dever de regulamentar”.

“Se fosse presidente da República, não teria suscitado a questão, porque creio que não estava em causa uma violação do direito à vida. Em todo o caso, o Tribunal Constitucional considerou que havia outras inconstitucionalidades”, prosseguiu.
Debate na íntegra

“Creio que não é uma solução, creio que há ângulos diversos de abordagem. Teria promulgado a lei. Acho que as inconstitucionalidades são expurgáveis por via da regulamentação. Do ponto de vista legislativo, a questão está encerrada”.

“Não acho que o tema tenha de voltar à Assembleia da República”, corroborou Jorge Pinto. “A minha posição é também clara: a da defesa da dignidade em todas as fases da vida das pessoas. Deve-se dar condições de dignidade. Também morrer com dignidade”.

“Percebo a sensibilidade do tema, percebo até as reservas que o senhor presidente da República possa ter levantado”, acrescentou.
Convergências à esquerda?
Para Jorge Pinto, o “barco” de uma possível convergência à esquerda para uma candidatura presidencial “já zarpou”: “Fui o último a avançar, já na 25ª hora, porque esperei que houvesse uma candidatura capaz de agregar as esquerdas”.

“A minha candidatura está a ir recuperar votos que poderia ir para outra candidatura”, propugnou o candidato que conta com o apoio do Livre, para recordar que, em eleições anteriores, o PCP acabou por sair em defesa de outras candidaturas.

“Isso até demonstra que o PCP não recebe lições em matéria de convergência. Nós ainda não estamos nessa situação”, respondeu António Filipe.

“A questão é qual seria o candidato capaz de ganhar as eleições à primeira volta com o apoio de todas as forças à esquerda. Isso não existe. Assim que António José Seguro avançou, essa ideia tornou-se imaginária”, carregou o candidato comunista.“Ficávamos todos à espera de que algum messias descesse à terra ou então avançava. E eu avancei. Não o fazer seria, como diz a canção do Sérgio Godinho, ficar à espera do autocarro na paragem”.

“Considero que o António José Seguro faz parte de um consenso neoliberal que tem pesadas responsabilidades na situação do país. Os eleitores são donos do seu voto. Não vale a pena estar a projetar cenários da segunda volta”, acentuou António Filipe.

Definindo-se como “de esquerda”, António Filipe chamou a si um pensamento assenta numa “grande centralidade nos trabalhadores, nos direitos dos trabalhadores”. Para em seguida “saudar os trabalhadores que vão participar na greve geral”.

“Eu sou o candidato patriótico e que contesta as imposições que fazem do exterior. Portugal tem de respeitar os compromissos, mas tem de ter uma voz própria”.

“Eu sou patriota”, afirmou, por seu turno, Jorge Pinto.

“Mas deixe-me explicar o que é que é ser patriota no dia 8 de dezembro de 2025. Há duas semanas ouvimos Vladimir Putin dizer que está pronto para uma guerra na Europa. Ser patriota é querer ter uma voz no projeto europeu. Como é que vamos ser patriotas perante um Vladimir Puitin de um lado e Donald Trump do outro. É ser patriota dentro do espaço europeu”, insistiu.

“Nós acreditamos que Portugal deve ter uma voz, uma voz autónoma, sim, dentro do projeto europeu. Quero que a União Europeia possa reconstruir-se, estar em permanente construção e afirmar-se. Quero que Portugal, que o presidente da República Portuguesa tenha a firmeza de chegar a Bruxelas e dizer como é que o projeto europeu se pode distinguir dos projetos autoritários”.

“Claro que é na União Europeia, não estou a aqui a defender que se saia da União Europeia. Não tenho nada a ver com Putin, não tenho nada a ver com Trump, mas também não tenha nada a ver com a senhora Von der Leyen”, aclarou depois António Filipe.
O diferendo em detalhe

Sobre o cenário de apenas defender a continuidade na União Europeia por não existir uma alternativa, António Filipe apontou que aquilo que defende é que “Portugal tem de ter uma posição dentro da União Europeia independente, uma voz própria”.

“O Estado português continua muito enfeudado às posições da União Europeia, embora tenha dado esse passo, muito tardiamente, com consequências muito limitadas até agora”, exemplificou, referindo o reconhecimento do Estado da Palestina, pedindo “uma posição do Estado português mais solidária com a Palestina”.

Por outro lado, lembrou a defesa da comissária Maria Luísa Albuquerque “da alienação da Segurança Social em favor dos fundos de pensões e dos fundos financeiros”.Num ataque ao seu adversário, o candidato comunista apontou neste cenário o “projeto de 800 mil milhões de euros para equipamentos militares de que o Jorge Pinto não se demarca, porque acha que a União Europeia deve militarizar-se”.


Em sua defesa, o candidato do Livre declarou que nesta questão da duplicidade de critérios, e admitindo que a União Europeia “terá” dois pesos e duas medidas, o que não aceita é que o projeto [europeu] não possa ser alterado: “Eu não sou derrotista (…) Os valores estão em constante mutação”.

Ainda no tema da duplicidade de critérios, Jorge Pinto chamou ao debate a invasão de Timor-Leste pela Indonésia, dizendo acreditar que o comunista está do seu lado nesta matéria, “como Gaza ou o Sahara Ocidental”, para lançar um ataque a António Filipe: “O que me surpreende é que não esteja ao meu lado em relação à Ucrânia, onde também há um invasor e um invadido”.

“Eu nunca ouvi da parte do António Filipe a clareza ao atacar e criticar os opressores nos outros cenários e que não tem em relação a[o presidente russo, Vladimir] Putin e à Ucrânia”.Sobre os 300 mil milhões de ativos russos congelados a soberanos e oligarcas e o seu uso para a recuperação ucraniana, Jorge Pinto sublinha que concorda plenamente, lamentando que um Estado esteja a bloquear essa solução, “no caso a Bélgica”.

“É esta clareza que eu quero também, eu sou muito claro no respeito pelo Direito Internacional e eu não faria, como o António Filipe fez, piadas com o levar Vladimir Putin ao Tribunal Penal Internacional (TPI)”, assegurou Jorge Pinto, para António Filipe negar.

O candidato do Livre assegurou, no entanto, que sim, que António Filipe o fez, que “ironizou no Twitter e poderemos depois ver isso”. Acrescentou ainda que defende a ida ao TPI de Putin, como do primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu e de todos os responsáveis pelo genocídio em Gaza.
António Filipe procurou esclarecer que em relação a esta questão, a Ucrânia, “a minha posição é nem Putin nem [o presidente ucraniano, Volodymyr] Zelensky, e a vossa posição é Zelensky”, ao que Jorge Pinto retorquiu: “A minha posição é Direitos Humanos e auto-determinação dos povos”.

“Se não quisermos compreender a complexidade da situação na Ucrânia, podemos não compreender e fazer uma narrativa: há aqui uns bons e há aqui uns maus”, respondeu António Filipe, acrescentando que a questão não é essa: “Aquela guerra devia ter sido evitada em 2014, não era agora”.

“E em 2022 podia ter sido evitada, mas não, qual foi a posição da União Europeia? Era preciso derrotar a Rússia a todo o custo até ao último ucraniano, e é essa a posição que o Jorge Pinto tem vindo a defender: estender uma passadeira vermelha ao senhor Zelensky, talvez se arrependa daqui a uns tempos. Mas a posição que eu sempre defendi é que a guerra devia ter sido evitada, devia ter sido acabada, devia ter-se aproveitado a possibilidade aberta em Istambul em 2022 para acabar com a guerra e foi o senhor Boris Johnson que interveio para que isso não acontecesse”.

“Eu quero é que a paz aconteça”, sublinhou o candidato comunista, respondendo a uma questão do moderador que é tão crítico de Putin como de Zelensky.

“Claramente, claramente. Mas eu tenho alguma coisa a ver com Putin? Há algum partido português mais distante do senhor Putin do que o PCP?”, garantiu António Filipe para deixar uma questão em cima da mesa: “Quem é que aparece em fotografias com o senhor Putin até 2022?”.Sobre a utilização dos ativos russos congelados para a reconstrução da Ucrânia, o candidato ironizou: “Eu não tenho dinheiro de oligarcas. Porque é que a União Europeia não faz isso? Não faz isso porque está manietada para não o fazer”, acusou.

“Eu tenho alguma coisa a ver com os ativos russos? Eu não sou banqueiro”, reafirmou, argumentando que, apesar de instado nesse sentido enquanto candidato, não é o presidente português que vai decidir sobre essa matéria sobre a qual nem a União Europeia se entende.

“A União Europeia está a tentar encontrar pretextos para continuar a guerra”, lamentou António Filipe, dizendo que “devia era fazer esforços, como fez o papa francisco, como faz Lula da Silva, como fazem quase todos os países do mundo menos a União Europeia para acabar de uma vez por todas com a guerra na Ucrânia”.

“Eu ando a dizer isto há anos: só há duas maneiras de acabar uma guerra uma guerra, ou pela capitulação total de uma das partes ou à mesa de negociações. Esta guerra tem de terminar à mesa de negociações”, propugnou o candidato comunista, acrescentando que sobre o plano de Donald Trump “tem todas as dúvidas do mundo. São as partes que têm de chegar a um acordo, não há alternativa”.

Sobre o que considera ser “o papel de Portugal no mundo nas próximas décadas”, Jorge Pinto defendeu que todas as situações são complexas, retomando assim uma argumentação de António Filipe, para o acusar depois de nessa análise usar os argumentos dos opressores. Fez depois um ponto assente naquilo que é a sua posição nesta matéria: “Aquilo que eu defendo em qualquer parte do mundo é o direito à auto-determinação dos povos. Ponto final (..) que não haja uma única linha sobre o futuro da Ucrânia que não passe pelos ucranianos”.

Neste momento do debate, quando Jorge Pinto se atribuiu uma posição de pacifista, António Filipe interrompeu-o para lhe lançar uma acusação: “Não tem posição de pacifista”.
Novo pacote laboral para a reconciliação no final

Jorge Pinto questiona “o porquê e para quê” das proposta de alteração do pacote laboral que para já conduziu o país a uma greve geral, marcada para a próxima quinta-feira, dia 11 de dezembro.

“Isto são duas visões distintas de país, uma que quer mais precariedade, mais facilidade de despedimento, quer acabar com a contratação coletiva e quer enfraquecer o próprio direito à greve, que é o que está em cima da mesa com esta proposta do Governo, e uma visão distinta que é a minha”.O candidato do Livre diz que já viveu no estrangeiro e que nunca viu nada que Portugal não pudesse ter.


“O que eu quero é mudar o nosso modelo económico: que se caracterize pela aposta na ciência, na tecnologia, na inovação, pelo alto valor acrescentado e pelos altos salários”, explicou, criticando o anúncio a poucos dias da greve geral dos anúncios do primeiro-ministro de aumentos dos salários, mínimo e médio.

Sublinhando acreditar que a greve geral vai ter grande impacto, António Filipe diz que como presidente faria uma análise das normas do documento, suscitando, sendo o caso, a intervenção do Tribunal Constitucional. Levaria depois os seus argumentos e a sua opinião aos parlamentares da Assembleia da República.

“Não devia esconder a minha opinião do país e dos trabalhadores. O povo português tem o direito de eleger um presidente da República que está do seu lado e que sinta que está do seu lado em questões cruciais como o direito ao trabalho e o direito á habitação e à saúde. Foi para isso que se fez o 25 de Abril”, assinalou António Filipe.

O debate terminou com um último duelo, com o comunista a acusar Jorge Pinto de não se demarcar o suficiente das normas de trabalho que estão a ser propostas e o liberal a estranhar que António Filipe não o tenha percebido.
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